A palestra do psicanalista José Outeiral, “O
adolescente e a escola hoje”, dentro da XXXIII Jornada do CEAPIA, suscitou no
grupo da Comunidade reflexões e questionamentos sobre vários aspectos relacionados
ao papel do professor e da escola e ao adolescente e sua família nos dias de
hoje.
O período da adolescência se estendeu: inicia precocemente
e se prorroga bem além dos 20 anos. A invasão precoce da adolescência no
período da infância acaba prejudicando a latência, o pensamento simbólico e o
período escolar. Até pouco tempo atrás, o professor estava preparado para receber
um aluno, na fase da latência, com condições de reprimir seus impulsos e
canalizá-los para a prazerosa aprendizagem. No entanto, hoje encontra alunos
que parecem já adolescentes, revelando um comportamento sexualizado e muitas
vezes com dificuldades para aceitar limites e tolerar as frustrações inerentes
a todo processo de aprendizagem e ao relacionar-se com os iguais. O que está
influenciando este “novo” aluno é o que tentamos entender na atualidade.
Inúmeros aspectos podem ser citados como influências
e até determinantes destes comportamentos. O psicanalista Ruggero Levy, em seu
artigo “Desejo e prazer: a construção do sujeito pós-moderno”, fala que no
atual contexto cultural vê-se a tecnologia criando novas ilusões, a
intolerância à frustração imperando, o laço humano tornando-se como qualquer
outro objeto de consumo, com seu caráter fugaz, e o incentivo a que a dor
psíquica e o sofrimento mental sejam eliminados a qualquer preço. Tudo isto
acarretaria a substituição dos vínculos
humanos pelos virtuais e a insuficiência nos processos simbólicos.
Percebemos,
na nossa cultura, a supervalorização do novo. Manter-se jovem a qualquer preço
e adotar um comportamento adolescente, negando a inexorável passagem do tempo,
parece eliminar a hierarquia das gerações e a autoridade necessária à
estruturação de limites e da moralidade.
A psiquiatra Norma Escosteguy, referindo-se às novas
configurações familiares da cultura pós-moderna, procura relacionar as mudanças
nas famílias com as mudanças psíquicas observadas na atualidade. Cita fatores
como o controle da natalidade, o menor número de filhos, o maior peso nas
escolhas e expectativas, com projeções narcísicas importantes e exageradas, como
importantes influências no psiquismo. As novas possibilidades de reorganização das famílias trazem novas
formas de educar e de modelos, com novas questões a serem pensadas e
compreendidas.
Como, então, ensinar, educar e lidar com este
adolescente de hoje? O que cabe ao professor e à escola na atualidade?
Questionamentos sem respostas. No entanto, Dr, Outeiral nos trouxe três aspectos
que considera importantes para nortear nossas ações: segundo ele, deve-se
preservar o mundo adulto, manter sempre a utopia e não abdicar da autoridade
perante as crianças e adolescentes.
O psicanalista Nazur Vasconcelos, ao
abordar o exercício da autoridade na instituição educacional, destaca que cabe
ao professor continuar exercendo a imposição de limites que lhe é concedida
pelos pais ou que fora conquistada por ele na interação com os alunos. No
entanto, há pais que tem dificuldades em exercer esse papel, por verem na
gratificação do seu bebê/filho uma forma de gratificação própria. Há pais que
pecam em não frustrar seus filhos, o que impede o movimento pendular entre
onipotência e frustração e cristaliza a situação de “sua Majestade, o bebê”.
Quando os pais falham na tarefa de impor limites, abrem caminho para relações
de dominação narcísica, nas quais o outro é visto como fonte de gratificação.
Entretanto, segundo Nazur, o professor sabe que, para aprender, o aluno deve
renunciar ao livre brincar e encarar o não-saber, o que pode ser frustrante.
Para ensinar, o professor deve poder exercer sua autoridade e dar continuidade ao
trabalho que deveria ter iniciado na família, o de dizer “não” ao bebê/aluno.
A complexidade deste tema nos inquieta
e motiva reflexões. A problemática do aluno de hoje só pode ser compreendida à
luz do contexto em que vive, familiar e social. Entendemos que a crise na
família hoje traz como consequência a indefinição quanto aos papéis de cada um,
trazendo dificuldades na imposição de limites e no respeito a regras.
A escola atual parece não acompanhar
o adolescente de hoje em suas mudanças e inquietudes. A velocidade nas mudanças
tecnológicas e na aquisição do conhecimento parecem influenciar diretamente a
atenção e o modo de aprender das crianças e adolescentes, que precisam
conciliar inúmeras informações em curto espaço de tempo. Há um amplo leque de
possibilidades de aprendizagem e estímulos oferecidos às crianças que, muitas
vezes, ao invés de propiciar experiências e novos caminhos de descoberta,
sobrecarregam-nas. Ao mesmo tempo em que hoje se tem um olhar mais direcionado
às diferenças e individualidades, parece haver também uma expectativa maior de
que as crianças e adolescentes sejam hábeis em tudo, para corresponder a um
mundo competitivo e complexo.
Nos dias de
hoje nos deparamos com crianças “experts” em manusear recursos eletrônicos, com
suas telas coloridas, atraentes e repletas de estímulos. Muitas vezes vê-se que as interações entre
pais e filhos estão sendo mediadas por estes equipamentos, que trazem inúmeras
informações, mas não propiciam a troca de emoções e vivências. O brincar
criativo, desestruturado, que abre caminhos para a fantasia e a simbolização,
necessária à construção de novas aprendizagens, passa a ser substituído pelo
“clicar” e pelo imediato prazer, sem limites e frustrações. A brincadeira livre
e imaginativa está cedendo lugar à aprendizagem formal cada vez mais cedo.
Desde a mais tenra idade, por exemplo, percebe-se que pais e professores
desejam que as crianças aprendam a ler e escrever antes mesmo de adquirirem
habilidades motoras mais simples e básicas.
A família está
se modificando, bem como a escola. Flexibilizar métodos de ensino, abrir
espaços para o pensar e construir novas formas de integrar os conhecimentos,
nos parece necessário. Cabe a pais e educadores acompanhar as novas exigências
e possibilidades da vida moderna sem abdicar do papel de impor limites,
representar autoridade e mostrar às nossas crianças e adolescentes o mundo real.
A majestade do bebê deve dar lugar à criança comum, que necessita brincar e
interagir com outro ser humano, com suas potencialidades, habilidades e inevitáveis
limitações.
Setor da Comunidade
Coord. Kátia Ludwig
Lenora Bellini
Adriana Ferreira